Esse é um projeto do Loco A Go Go que tem como objetivo dar espaço e expor um pouco a pessoa e os trabalhos de ilustradores nacionais que atuam no underground... e aqui cabe uma breve explicação: Todas início parecido, afinal nem todos leram todos as matérias dessa série e na sequencia uma entrevista e nesse meio todo o trabalho desses heróis!!!
E hoje vamos conhecer Marcelo Ducatti
Ilustradores do Brasil Underground
Sempre fui apaixonado pelas imagens que povoaram minha vida underground. Foram cartazes de show, flyers, estampas dos shapes e adesivos de skate e surf, capas de discos (LPs e CDs), grafites, fanzines, quadrinhos alternativos (como a revista Animal) e qualquer outro lugar de tivesse um desenho que me fizesse parar por um momento.
Ed Repka |
Conforme fui amadurecendo e também por que as informações foram ficam mais acessíveis comecei a saber quem eram alguns deles... COOP (as mulheres opulentas e perversas), Marco Almera (com seu estilo retro e parceira de algumas das minhas bandas alternativas prediletas e antes do retro virar hype!), David Vicente (que se inspirou no top do Psychobilly quando desenha suas obras), Ed Repka (capas de varias bandas de Metal como Megadeath) e Vernon Courtland Johnson (quem não pirou nos shapes da Powell Peralta???) ditavam a moda street!! Ed Roth fez a geração dos 60/70 alucinar com o Rat Fink... aliás ainda faz até hoje.
David Vicente |
Ed Repka |
Nos quadrinhos... Liberatore (Ranxerox), Max (Peter Punk), Ortiz e Segura (Burton e Cyb) e outros tantos mestres que nos alimentavam com suas ideias brilhantemente insanas! Bem poderia ficar um bom tempo citando minhas referências, mas hoje a ideia é falar de ilustradores BRASILEIROS. Esses gringos mesmo trabalhando pelo circuito underground, tem uma visibilidade muito grande e um grande número de fãs.
D Vicente |
Os caras têm sites, fazem camisetas, livros, disponibilizam seus originais, sketchs, serigrafias pra venda, ou seja, existe uma cultura desse tipo de arte e consequentemente a chance deles viverem dos desenhos sem ter de ter outros trampos onde não façam o que realmente gostam. E eles mais do que merecem isso, pois são brilhantes.
Mas e aqui no Brasil ???? É possível viver de arte para o mercado e público underground? Comecei pesquisando um pouco o público e a maioria nem sabe quem são os autores dos trabalhos que eles sabendo ou não, admiram dia a dia... Assim, escalei alguns amigos/ilustradores pra contarem o lado deles. Vamos dividir matérias individuais pra vocês curtirem bem essas pessoas incríveis e seus trabalhos, mais incríveis ainda... São eles: Daniel ETE, Everaldo (Ratonés), Ricardo Machado, Henrique Santini, Kaky Z. e Guilherme Borgomoni. Enquanto ficamos viajando nessa ideia uns dias...rapidão, a primeira entrevista foi ao ar... e como uma coisa leva a outra quanto mais pesquisava, mais descobria novos heróis pouco lembrados... mas tamos aqui pra mudar esse status e dessa vez jogaremos nossas luzes sobre Marcelo Ducatti...ai vai!!
LAGG- Por favor, apresente-se pros leitores do Loco A Go Go. Nome, apelido o que são e/ou fazem além de desenhar?
M. Ducatti- Olá povo, eu sou o Marcelo, mais conhecido por Ducatti - meu sobrenome -, ilustrador e designer gráfico.
LAGG- O que levou você a desenhar?
M. Ducatti- O que toda criança fez com certa naturalidade durante um bom tempo de sua formação, somada a influência de um tio, Marcos, grande desenhista de produto e retratista, aos incentivos por parte dos meus pais, que me davam os materiais pra rabiscar e cursos, mas acima de tudo a uma decisão mais tardia de fazer do desenho o ganha pão da coisa.
LAGG- Quando e como seus desenhos/ilustrações passaram de hobby para trabalho?
M. Ducatti- No exato momento que o trabalho de balconista deu sinais de esgotamento. Precisava achar algo que me desse um pingo de autonomia e inventividade, uma “malandragem”, mesmo que amarradas às necessidades econômicas impostas pra todos nós. Aqui preciso falar de duas pessoas-chave para a esta reinvenção. Minha companheira, e interlocutora de tudo, Analice, e o mestre e amigo desenhista e professor Iéio. Uma me levantou, encorajou, apontou a carta na minha manga, o outro me aprimorou o traço e os troços da profissão, aos quais devolvo uma enorme gratidão. É pra estar nesse intervalo o primeiro desenho/trabalho, mesmo que só hoje eu reconheça que ilustrar é o meu trabalho, que socialmente isso seja reconhecido.
Arte Ducatti |
LAGG- Como foi a decisão de sair do padrão normal de todo desenhista iniciante? Tipo deixar de lado copiar os HQ e sair pras coisas bizarras, monstros, caveiras, ou seja, lá o que você desenhe?
M. Ducatti- Cara, falar que nunca me apeguei as cópias de seres musculosos e de anatomia duvidosa voando e quicando de quadrinho em quadrinho é quase uma mentira. Fiz, e fiz poucos, sobreviveram talvez uns 10 desenhos desses perdidos não sei onde. Já cópias, mais no sentido de releitura, de cartuns são inúmeras e bem mais recentes, atuando mais como formação mesmo de estilo.
Minhas influências me levaram cedo pra uma escola mais fantástica, surreal-pop, caricata, pornográfica, menos centrada numa figura principal, mais ligada numa cena, composição, conjunto, num todo. Uma de distorcer mesmo as coisas, se acidentar na criatividade pra ver o que dá. O universo bizzarro propriamente dito é bem atual e tem sua porção de demanda, com os projetos com o amigo Marky Wildstone e sua produtora. Agora, sempre gostei de desenhar mulheres, há várias por todo canto dessa trajetória, nas mais diferentes posições e silhuetas.
LAGG- Quais são os ilustradores que te influenciam (gringos e brasileiros)?
M. Ducatti- Vixe, essa é dureza, ainda mais pra minha tendência de gostar de diversos estilos. Mas vou me ater ao que está atualmente na agulha. Tem um gringo, Thorsten Hasenkamm, que há muito eu acompanho. Seus sketches são incríveis, no conteúdo e na forma particular de apresentação, cheios de referências vintage, surf, tiki, pinups, muito character design. Recentemente ele tem explorado uns painéis malucos coloridos digitalmente que me consomem muitos minutos de contemplação. Nesse círculo aí tem Tim Biskup, o monstro Derek Yaniger que o pessoal já conhece, a lenda Jim Flora, Shane Glines e suas pinups inalcançáveis, duas minas, acho que irmãs, que se apresentam pelo nome ELIOLI, fantástica no design de personagem, meio disney… Steinwess, outro antigão, e vai… Steinberg, etc. e etc.
Nacionais, tem um, um garoto ainda, que está arrebentando, o Bernardo França, e os dinossauros de qualquer lista J. Carlos, Nássara, Ziraldo, Angeli, o Zimbres e o Jaca, oloco..
Lembrei doutros gringos, Mattotti, Gary Panter, Sempé, chega! Se eu rodar meu instagram e facebook eu boto mais uns 50 nomes aqui.
Arte Ducatti |
LAGG- Quais técnicas você mais gosta e usa?
M. Ducatti- Uso muito o digital, pra finalizar, pelas facilidades de ajustes e pela qualidade de saída do que vai invariavelmente virar uma chapa de impressão. Sou ansioso, e o tempo de resposta dessa relação possibilita rodar minhas engrenagens naturais. De todo modo tudo se inicia na folha de papel e lápis, em esboços pequenos, soltos, feios mesmo, daqueles pra fazer duvidar que você desenha. As vezes um vai na mosca. Não tenho uma rotina, um procedimento padrão, cada trabalho se inicia numa zona de conforto bamba que requer uma rodada de aquecimento, algumas pistas, uns tantos puxões e o negócio brota.
LAGG- Sua arte te sustenta financeiramente?
M. Ducatti- Sim, vivo integralmente do que ganho com design e ilustração.
LAGG- Cite as que você mais gostou de fazer e as com o melhor resultado.
M. Ducatti- Acho que pra todo artista a que dá mais gosto e melhor resultado é a última, imaginando que a ideia é não repetir erros notados nas anteriores. Porém é também uma tortura conseguir avaliar o quanto o trem decolou, evoluiu. Aí está a recente capa da coletânea Weirdo Fervo!, misto de cubismo-punk-ping-pong, que foi demais desenvolver. Logo atrás a capa dos The Dead Rocks, do disco Surf Explosão. Mais distante, gosto bastante da safra de cartuns que fiz para usos corporativos, em que o desafio é passar uma narrativa visual sem apelar pra clichês.
Capa do Surf Explosion (recém lançado disco do The Dead Rocks) |
Capa da Coletanea Surf Garage da Wildstone com apoio do Loco A Go Go Sessions |
(N. do E.): Weirdo Fervo estará a venda em meados de Fevereiro. Teremos algumas copias para venda. Os interessados entrar em contato pelo e-mail: contatoagogo@gmail.com
LAGG- Você trampa muito na brodagem? Ou seja faz desenhos de graças pros amigos) Como você encara isso?
M. Ducatti- Respondo com o lema “Pagando a gente faz até de graça!” - risos. No way! Mas calma, senta aí e vamos conversar. Um desenho de graça é um desenho sem graça, sem resultado pra ambas as partes, uma brochação de cabo a rabo. Óbvio que dependendo dos casos há outras variáveis em questão em que o risco do gratuito é de nossa decisão, e todo ilustrador um dia abre ou abriu mão. Mas nunca seja a sua regra. Não quero entrar na longa discussão que povoa a rede, sobre o poço do trabalho gratuito, e me extender, apenas frisar: o que faço é uma profissão inserida num mercado, e como tal produz valor. Essa é a premissa.
Encaro de boa, mesmo porque venho labutando a minha imagem e é raro aparecer a brodagem explícita no jogo.
LAGG- Acha que o mercado tem mais espaço pra ilustradores?
M. Ducatti- Não vejo uma questão de mais ou menos. Tem o espaço e o lance é que você tem que fazer o seu todo santo dia, uma coisa de inteligência mesmo, saber se olhar, se distanciar um pouco, traçar uns planos, se comunicar. A grande burrada de muitos iniciantes é bitolar na técnica, creditar tudo no avanço da qualidade do traço - que é extremamente importante - e esquecer todo o resto envolvido, uma postura de artista pleno a espera do sucesso. A ilustração é uma “desnecessidade”, é o que entra no corte, é o que “falta fazer”, ironizo, pensando no que pensa o público geral, e você não estando sossegado onde ela é 100% da coisa, numa editora, numa revista, agite-se aí.
LAGG- Como você se compara aos ilustradores gringos (como base pode usar alguns dos que citei no começo da matéria)?
M. Ducatti- Como alguém com um repertório visual técnico e de mercado próprio de nossa formação. Há que se ter essa difícil perspectiva em foco pra não ficar só na nossa brilhante tupiniquinzação do outro. De resto não há separação, mas bons ilustradores apenas. Fosse responder a pergunta ao pé da letra eu diria que sou hoje o salto do sapato de umas das pernas dançantes de um músico na capa de um disco do Jim Flora, com um longo e tenebroso verão a frente para se divertir - risos.
LAGG- Acredita que as linhas de negócios como as utilizadas lá fora (Livros, Camisetas, Vendas de obras e cópias, bonecos...podem dar certo no Brasil?
M. Ducatti- Sim, na linha, e não na mesma dimensão, e a Maurício de Souza Produções ilustra bem o que eu penso. Novamente, nossas particularidades no tratamento do lúdico, do entretenimento. Lá, uma mercadoria de primeira página da indústria yanke, martelada programaticamente, aqui uma aposta de empreendedorismos passando o chapéu. Não a toa somos exportadores de excelentes desenhistas, empregados lá.
LAGG- Como fico fuçando muito, vi que existe um caminho que muito gente esta usando no mercado externo. O de pôsteres fictícios. Explico desenham pôsteres de shows de bandas badaladas mas que nunca fizeram esses shows, um artificio pra venderem seu material... vocês fariam isso?
M. Ducatti- Sim, são bacanas essas ideias, ora ou outra alguém surge com uma, tem aquela do cara que fez versões minimalistas de cartazes de filmes famosos. Não sei do retorno que tem, as vezes o nome do artista puxa as vendas, mas é uma prática saudável, um risco consciente.
Eu inventei um negócio desses pra “descansar” a cabeça. Entre um trabalho e outro tenho feito capas de discos fictícias, juntando umas referências que levantei pra montar uma oficina sobre o assunto. Vou colando, usando ilustrações, acrescentando algo, usando sem muito critério os tipos, e assim nasceu isso que pode ser que vire algo maior. Batizei de FAKOVER DESIGNS, na linha dos primeiros LPs ilustrados da Columbia, RCA e tal. Seguem aí dois deles, primeira vez que os mostro.
Fakeover Designs |
Fakeover Designs |
LAGG- O fim do uso de pôsteres nas ruas (em SP temos o cidade limpa), divulgação de eventos hoje ser fortemente feita por mídias digitais, minando a distribuição de flyers e por fim material de divulgação pobre (ex.: um pôster digital feito com os dados do evento em cima de uma foto qualquer) desanima a continuar com seu trabalho?
M. Ducatti- Claro que estampar seu trabalho num outdoor de 10 metros, numa capa de disco, com encarte e tudo, num cartaz, tem seu valor e um lugar especial no portifólio. Mas eu não me questiono muito não sobre. Eu avalio a finalidade, o uso, e vendo o que melhor se encaixa, sem grilos. A tendência parece ser essa, então tem que botar a versatilidade pra acontecer.
LAGG- O que poderia ser feito pra melhorar a penetração do trabalho dos ilustradores em meio aos consumidores e/ou publico em geral?
M. Ducatti- O fundamental é o que disse antes, do cara conduzir sua atividade, ter controle e visão, fazer sua lição pessoal, se situar na sua atividade. É a perspectiva crítica pra qualquer que seja a profissão que você vai exercer, pra não ser mecânica, linear sua postura. Sem isso o que se tem é um bolo de indiferenciação, um arte-hobbysmo pra fazer a vovó curtir postagem nas redes, e vejo uma geração patinando nisso. Claro que a coisa não é pra todo mundo, então entra nessa equação a modéstia de saber até aonde se pode ir, a hora de se segurar, atacar e mesmo desistir. Eu sei ler/escrever, tenho um vocabulário razoável, mas isso não faz de mim um escritor da noite pro dia; sei meia-dúzia de acordes e por isso não sou um violonista; aí, você fez a camiseta do bloco de carnaval do clube - como um dia eu horrorosamente fiz - e automaticamente é um ilustrador? Cadê o reconhecimento de fora, a musculatura, o aval objetivo disso, o tempo, cara pálida?
Então você vai ter os ilustradores que chegam a superfície, outros um pouco abaixo, chegando também, recuando, uma fatia alí, manja? Esses caras tem que se encontrar, se sintonizar, expor seus conflitos acerca da profissão, um fórum. Tem que nutrir uma organização mínima entre si com diretrizes de comportamento, de composição de valor, etc.. De fato isso tem ocorrido de forma mais acentuada hoje com a oferta de informação. Campanhas, por exemplo, que ferem direitos autorais ou oferecem biscoitos como pagamento tem sido ridicularizadas e boicotadas pela ilustração profissional.
Disso podem surgir iniciativas locais que batam na porta da esfera pública, com assunto pra botar na mesa e utilizar sua capacidade de penetração. Cito a experiência da vizinha Ribeirão Preto, com a coletânea de quadrinhos RPHQ, que revelou muitos talentos da casa, ao mesmo tempo colocando seu fator educativo do “olha, estão vendo, esses ilustradores estão aqui na sua cidade, olha que trabalho bacana eles nos ofereceram”. Daí pra chegar em empresas é um caminho diferente, você chega mais pesado, com uma aparência mais robusta. Agora, que isso seja o suficiente pra acender a luz verde da importância da ilustração não é. No melhor, mantemos ela amarela, é uma resistência mesmo. Há outros setores e tempos envolvidos pra construção do status dos sonhos de um ilustrador.
LAGG- Que planos de futuro você tem?
M. Ducatti- Olha, eu espero radicalizar o meu atual momento. Está muito gostoso o ambiente, as temáticas dos trabalhos, a repercussão, os formatos. O lance da capa de disco é show, fascinante, deu um curto-circuito em muitas certezas, abriu uma nova paisagem visual pra eu me aventurar. Eu espero mesmo focar no universo musical meu traço.
Quero também nas próximas férias ir pro deserto do Atacama - risos.
LAGG- Por favor sinta-se a vontade pra deixar um recado, desabafo ou qualquer outra coisa que queira…
M. Ducatti- Claro, agradecer o convite, o espaço e a paciência pra eu responder e enviar a entrevista. Valeu, Loco, muito obrigado.
E deixar meus endereços. Confiram o site - tá novinho em folha - em www.ducatti.co e página
www.facebook.com/ducatti.com.br. Curtam e acompanhem de tempos em tempos as atualizações.
Um salve geral, valeu!
Lindíssima entrevista, um grande depoimento que instiga e motiva novos ilustradores e quem acredita em arte em geral.... fantástico. Só que mais fantástico ainda foi o presente que o Ducatti, mandou pra gente... uma arte da sua visão do Loco A Go Go...vai babando ai.... que eu já to até de boca seca!!! DEMAIS!!
Ducatti em Loco A Go Go Inspiration |
É isso amigos.... fico cada vez mais feliz com essa serie...é inacreditável, como brota talento por esse Brasil a fora.... e se segurem,pois em breve a lista de ilustradores no Loco A Go Go vai aumentar....
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